Dia 11.11.2012 Domingo. Último domingo em casa, Mahotas, casa das irmãs. Acerca-se o fim desta minha experiência africana. E ainda não sou consciente, não posso. A volta será dura mas não é tempo para pensar nisso.
Aqui sentada diante do portão enquanto estes pequenos mas tão grandes, nossos miúdos, os vizinhos, desfazem as tranças da cabeça, e desta vez a fazem inteirinha. Com eles começo esta minha valorização da minha experiência como voluntária na casa das minhas irmãs Missionárias Dominicanas do Rosário.
Dizem que África engancha; o seu odor, a sua essência, a sua música, o seu ritmo… que sempre recebes mais do que dás… Que sempre te surpreende…verdades como punhos.
Encanta-me vê-los concentradíssimos desfazendo cada trança…não têm pente, utilizam picos, com suas mãos sujas mas com delicadeza, acariciam cada madeixa e não deixam de sorrir…hoje é o aniversário dos gémeos, Edith e Pai, até hoje o desconhecíamos. A sua mãe parece que saiu cedo de casa esta manhã dizem que antes que eles acordaram…talvez não tinha que oferecer-lhes, o irmão mais velho que acaba de espreitar a cabeça não se lembra da data , desde ontem não tem levado bocado à boca, está a chegar a lora do almoço mas quase seguro que terão de esperar, se há sorte, à hora do jantar. Dizem que cantarão parabéns…a essa hora, da noite. Ainda assim, não estão tristes, estão emocionados pois amanhã continuarão as colónias, não cessam de fazer-me perguntas das diversas actividades a ginástica, as classes de inglês…e mostram-se encantados de cumprir os seus 9 anos. Até os miúdos são um exemplo aqui em África, Moçambique neste caso, não se cansam de dar-nos lições.
Foi uma tarde que saí sozinha e sem chaves, a procura da minha amiga; e também a respirar, respirei o aroma, que me inundou totalmente. Depois de uma semana imaginando-me esse difícil adeus. Uma chamada dum possível trabalho na Europa, e uma data de em 3 meses que cada vez se tornava mais difícil imaginar. Já levavam mais de dois meses. O projecto acerca da mulher estava andar, nas classes levávamos dois turnos e os cursos de informática no Centro Social estavam funcionando. No bairro eles lembravam-nos em todo instante “valungu” que éramos diferentes, ainda que nos sentíssemos mais duas entre eles.
Depois de dois meses de entrega; sentia-me em divida, tinha recebido mais do que tinha dado. Aqueles jovens que não tinham tocado um computador já pegavam no “Mouse” sem medo, navegavam, e eram capazes trabalhar em folhas de cálculo; cada dia viamos nosso trabalho, sentíamos essa satisfação pessoal, esse sentimento agradável que te enche no mais profundo, a doar essa oportunidade aos que nunca a tiveram. Ainda assim o recebido era mais, sentia, como aluna da escola da vida.
Essa tarde senti esse enganche, não podia partir ainda, foi uma noite longa, com um amanhecer luminoso, ainda não era a minha hora de partida, todo o resto podia esperar. Me devia a ela, África…neste caso; Mahotas, à melhor professora que nunca tive.
Já era noite, terminei sentada diante desse portão, os pequenos que agora os tenho entrelaçados mais do que nunca entre minhas tranças, olhavam-me com esses olhos tão verdadeiros, conto-lhes a história “da menina da capulana vermelha”. Assim nessa noite começam as historietas.
Sempre gostei de viajar, conhecer novos lugares, culturas, pessoas, conhecimento, intriga, paixão. Dizem que viajar é despegar-te do teu mundo por um tempo. Que cada travessia é como um livro que começa com incertezas e finaliza com nostalgia. Que cada passo que dás deixa marca no teu coração. Estes quase 6 meses não foram uma viagem. Era o meu sonho. Agora um sonho feito realidade. E sem dúvida a experiência da minha vida. Esta “viagem” da qual tive maiores dúvidas vai deixar a maior nostalgia e com certeza a de maior vestígio no meu coração.
Vou partir contente, com coração mais cheio do que nunca, com força, coragem e com a capulana posta. Esta experiência superou com muito tudo o imaginado. E tudo lhes devo a eles, a elas e outra vez a elas.
Aos jovens estudantes, adolescentes, que cheios de entusiamo e ilusão cada manhã acudiram às nossas aulas, por abrirmo-nos as suas portas, por deixarmo-nos ser cúmplices das suas vidas, por deixarmo-nos aconselhar-lhes, mostrar-lhes a vida com outros olhos, por ser a esperança do amanhã e despedir-lhes vendo nos seus olhos essa força de continuar lutando na sua realidade. Lutar para estudar, trabalhar, viver; sempre da mão. A esses miúdos que jogam descalços, que dão saltos porque a areia queima, que não choram por nada, que riem cada manhã sem mostrar que se deitaram sem jantar…porque são um exemplo de sorriso à vida, de gratidão, por ensinarmo-nos a valorizar o mais pequeno… A elas, às mamãs, que trabalham na machamba, fazendo manteiga de amendoim ou nos blocos de cimento… às costass vidas cheias de sofrimento e verdadeiras provas da sua superação . Por me deixa partilhar o seu tempo, por essa força que me transmitiram, porque com um nada dela sinto-me corajosa para enfrentar a qualquer obstáculo que se apresente na vida. Elas, cada manhã com a sua capulana amarrada bem forte, e no seu rostro desenhado a melhor dos sorrisos. E a elas , às irmãs, por me lembra- o que é um lar, por me fazer sentir em casa, por me dar carinho, por se fazer querer, por ser elas, próximas…amigas, irmãs e mães, porque graças a esse calor conseguimos realizar este sonho sem sofrer muito a falta dos nossos.
Este voluntariado, o primeiro num país estrangeiro, superou as minhas expectativas…vou com a certeza de partir enriquecida pessoalmente, com outra perspetiva da vida, com um antes e um depois e sabendo que a alegria e a generosidade foram ao aliados nesta minha primeira etapa.
Lembro-me das frases que a minha gente me dedicou à minha despedida…especialmente umas linhas que escreveu um amigo: “Que a luz que desprendes, inunde Africa de sorrisos e entusiasmo”; “ se alguma vez sentes, que o que fazes é somente uma gota no mar…lembra-te O mar seria menos, se lhe faltara uma gota”. “Não esqueças voltar”.
Estou de volta amigo, com mais luz do que nunca, com mais sorrisos e entusiasmo, e sobretudo com vontade de seguir enchendo o mar de “gotas”
KHANIMAMBO, ESKERRIKASKO!!!!!
Maddalen