A Ir. Gorete é uma missionária de corpo inteiro, tem uma longa história vivida a par e passo com o povo moçambicano com o qual tem partilhado verdadeiramente os gozos, esperanças, tristezas e sofrimentos ao longo de 54 anos, toda uma vida!
Ir. Gorete, diz-nos como era a vida na primeira missão de Moçambique.
Cheguei a Moçambique o ano 1959, sendo ainda juniora, como membro da primeira comunidade de cinco irmãs que iniciavam a presença da Congregação neste País, a pedido do Bispo de Quelimane,
Na missão de Tengua, Milange. Éramos as primeiras missionarias que entravam nesta zona do interior onde tudo estava por fazer.
Com a força da nossa juventude e o entusiasmo missionário que nos animava, com dizia M. Ascensão, sabendo que estávamos na missão, “tudo sabia bem”, todas as dificuldades e carências as superávamos com facilidade.
As tarefas da missão enchiam o sentido da nossa vida, era necessário colaborar na atenção ao Centro internato de meninas, ao posta de saúde, às visitas às aldeias mais afastadas, Juntamente com os missionários, para viver aquilo quecada uma das irmãs levava dentro, dar dignidade ao povo mais de uma maneira muto especial à mulher rural, levantá-la da sua situação de submissão e dependência, ela estava duplamente submetida pela cultura e a sociedade colonial, e ainda mais, desejávamos procurar criativamente formas de autonomia económica para sentir-nos livres nas nossas opções comunitárias e na nossa missão.
Muito nos ajudou a consegui-lo a fecundidade desta terra, que nos brindava frutos abundantes. Quantas experiências para contar! As formigas térmites, as hienas e outros animais que se aproximavam a nossa casa à noite…
Como vivestes o despertar do povo pela conquista da Independência?
Conhecemos o tempo da colonização e por isso nunca duvidamos em identificar-nos com os que lutavam pela conquista da Independência do País, direito fundamental de todos os povos. Alguns dos nossos alunos da missão juntaram-se ao movimento de libertação, que se preparavam em acampamentos situados no mato, era conhecido por todos que esta movimento encontrava solidariedade e empatia na missão e, às vezes conivência oculta; tudo isto nos fez pagar um preço, que nos assumíamos como a nossa contribuição com esta causa justa.
E como descrever a experiência partilhada com todo o povo de imensa alegria e festa, na proclamação solene da Independência do País naquele longínquo 25 de Junho de 1975! Foram momentos que nunca poderemos esquecer.
Mas este período não demorou muito tempo, porque a constituição de uma República Popular, significou, entre muitas outras coisas, a nacionalização de todas as obras da Igreja. Nós tivemos que deixar o lugar onde estava instalada a missão, tão querido e entranhável para todas e entregar todas as infra-estruturas e bens ao governo.
Não posso ocultara que a forma como se realizou esta transição, foi motivo de muito sofrimento e dor para cada uma de nós, mesmo assim como comunidade, soubemos integrar este acontecimento como coração aberto e confiando em Deus e nos seus caminhos, tão diferentes dos nossos. Quando saímos da missão fomos até a vila, e passamos a residir na casa Paroquial, cedida para toda a Equipa Missionária, os Padres Capucinhos e nós.
E de novo partilhando momentos de sofrimento e alegria com o povo
Depois dum tempo do fervor revolucionário e da proclamação da “década do desenvolvimento”, começou um progressivo debilitamenteo da ideologia “marxista-leninista”, que inspirava o Estado. Ao mesmo tempo começou a ganhar força a guerra de guerrilha promovida pela Renamo (Movimento de Resistência Nacional Moçambicana) e a estender-se a todo o País.
A missão de Milange foi muito afectada, sendo palco de numerosas ataques de ambos lados beligerantes. Experimentamos na própria carne os frutos da guerra: o medo, a destruição e a morte ao nosso redor. Foi muito difícil viver neste ambiente de violência permanente, mas, depois de discernirmos comunitariamente assumimos ficar com o povo, não o podíamos abandonar nesse momento em que podíamos expressar a nossa solidariedade e amizade.
Como esta realidade se tornava cada vez mais grave, a maior parte da povoação emigrou ao país vizinho, Malawi e nós fomos chamadas a Quelimane para participar numa assembleia de Vigararia, depois da qual jé não foi possível regressar decido ao perigo dos caminhos, cenário de ataques cada vez mais frequentes e graves. para mi foi muito difícil aceitar esta separação do povo de Milange como vontade de Deus mas a insistência das irmãs sobre a impossibilidade de viajar, me ajudou a acolher esta separação temporal, como o melhor nesse momento, era o ano 1986.
A assinatura do Acordo Geral de Paz entre o Governo e a Renamo foi o dia 4 de Outubro de 1992, de esta forma finalizou o conflito armado que durou 16 anos. De novo festejamos este acontecimento com todo o povo com gozo e alegra, como expressão do Deus da vida que tinha visto a opressão do seu povo e o tinha libertado.
A partir deste momento as irmãs nos comprometemos com o trabalho pastoral nas comunidades cristãs orientado a promover a cultura da reconciliação e a paz entre todos os moçambicanos para sarar as feridas provocadas pela guerra, a divisão, a inimizade, u ódio, e o rancor.
Esta campanha pastoral teve a sua coroação com a realização das primeiras eleiçoes democráticas no País o ano 1994. Outro momento vivido plenamente, de festa e alegría. O povo aderiu com toda consciência cívica a dar o seu voto,. O índice de votantes naquelas primeiras eleições foi de 90%
E quando se reabriu a comunidade de Milange?
Só no ano 2006 foi possivel concretizar o desejo de reabrir a comunidade de Milange. Só Deus sabe tudo o que tivemos que passar para conseguir o que todas desejávamos ardentemente, recuperar a presença nesta missão que nos acolheu por primeira vez e no meio deste povo que levávamos no nosso coração
No ano 2009, vivi junto com todas as irmãs da Vigararia, uma das maiores gratificações da vida missionária, foi a celebração do ano jubilar, ao cumprir-se o 50º aniversario da nossa chegada a Moçambique.
E agora?
Com o andar dos anos, vou sentindo deteriorar-se a mina saúde e por isso são necessários alguns cuidados, o normal quando a máquina se vai “desgastando”… Actualmente esto una comunidade de acolhimento da Vigararia, no Maputo
Muito obrigado, Ir. Gorete, porque és para cada uma das irmãs da Vigararia uma referencia de vida missionária. Sem o saberes, nos falas do essencial da vida, do único necessário. Tua disponibilidade a toda prova, a tua atitude de serviço como a melhor logística, fazendo os recados para todas as comunidades, tua vida austera e a tua vida entregue para dar-nos o melhor que tu és. Obrigado!