ENTREVISTA A INOCÊNCIA

Abril 29, 2012

Depois de seis anos ao serviço de animação da vida e missão das irmãs da Vigararia, queremos pedir-te, Inocência, que nos partilhes um pouco da rica experiência que tens vivido. Somos conscientes de como é limitada a proposta de uma entrevista mais,  mas ao menos, permite-nos que possamos ler «entre-linhas»  para perceber o mais  importante, «só visível com os olhos do coração».

  •  O que achas que tem ajudado mais a crescer e consolidar a vida e a missão da Vigararia?

Ir. Inocência: Não saberia muito bem como responder, sobretudo se tiver de pensar apenas nestes seis anos em que estive na coordenação da Vigararia. Isto porque se houve crescimento e realmente houve e muito! Temos que olhar para trás…”O tempo da colheita apenas começou, mas a sementeira vem de muito mais longe…”. As Irmãs moçambicanas formaram-se, cresceram e podem hoje estar à frente, quer dentro das comunidades, quer nos seus trabalhos profissionais, de tarefas de responsabilidade e o fazem com muita dignidade e competência.
Mas isto, como digo, é já “colheita”…
Sinto assim como que este crescimento se deu em três eixos que se articulam:

  • A confiança em si mesmas; b. O Amor ao Carisma; c. O Sentido de Pertença à Vigararia e Congregação.

Onde estiveram as bases?

  • A confiança em si mesmas. O crescer em confiança é próprio de todo o ser humano ao desenvolver as suas muitas capacidades e valores. Mas por vezes não se encontra aquele ambiente que favorece o crescer e o desenvolver dessa confiança de que “sou capaz, somos capazes”… Lembro o que me dizia uma Irmã, cheia de emoção e alegria, naquele já afastado ano de 2003, quando conduziam o carro carregado com as trouxas para a nova missão de Inhassoro: “Obrigada Irmã, sentimos que estamos na missão… Estamos a caminho da missão, como a nossa M. Ascensão e as primeiras Irmãs, porque as Irmãs confiaram em nós”!…
  • O Amor ao Carisma. Ajudou muito a assumir o Carisma, as experiências de inserção, logo desde as primeiras etapas, quer na comunidade do Chirangano, quer em Mahotas. A forma como vivemos a inserção, a maneira de atender, de escutar, de nos abrirmos aos que nos procuram…sempre os mais pobres….A participação comunitária nas festas e infelicidades do povo que nos envolve, o viver toda esta proximidade como elemento integrador formativo de um Carisma que tem como opção “evangelizar…e poderíamos dizer…deixar-nos evangelizar pelos mais pobres”…
  • O sentido de pertença à Vigararia e Congregação. Este sentido de pertença tem vindo em crescendo com o assumir progressivo da vida e da missão das comunidades. Mas já desde a Formação inicial foi muito importante o terem sentido a forte solidariedade das Irmãs da nossa Província e Congregação, não só, mas também, pelo apoio económico que ajudou as Irmãs a prepararem-se para a missão, como pelos múltiplos gestos de carinho que nos faziam chegar e…ainda hoje contribuem a isso! Bem hajam queridas Irmãs!

Ajudaram igualmente as Visitas Canónicas das nossas Irmãs Provinciais e Gerais, a participação nas Assembleias da Vigararia pelo maior número possível das Irmãs, assim como os laços sempre maiores que se foram fortalecendo com a equipa da Vigararia.
Hoje penso que sou objectiva ao dizer, que a Vigararia é mais sentida e acarinhada por todas, como “nossa”!
E não sei se posso juntar neste “crescendo” do sentido de pertença, o “embriãozinho” que está a nascer e que nos veio de um maior envolvimento de todas na preparação e no acompanhamento do nosso último Capítulo Geral: O desejo de “sermos enviadas”…

 

  • Desde o teu trabalho na Conferemo como vês a V. R. em Moçambique?

Ir. Inocência:  Que dizer desta minha experiência, por sinal muito grata, de pertença ao Conselho Permanente da CIRM CONFEREMO Nacional durante cinco anos?! Vou tentar dizer algo da minha experiência e deixar para o fim a resposta a uma questão tão complexa como a que me colocas…
Como dizia, foi uma experiência que me ajudou a crescer e a sentir mais próxima da nossa Vida Consagrada em Moçambique.
Ajudaram-me em primeiro lugar, as reflexões que fazíamos, sobretudo no procurar juntos os desafios que a V.R. nos lançava neste contexto moçambicano e como lhes responder. Não já desde “cada Congregação por si”mas envolvermo-nos todos e todas nesta procura.
Todos tínhamos muitas responsabilidades nas nossas Congregações, mas sentíamo-nos bem animados e animadas em ver que era por um trabalho conjunto que o Espírito nos empurrava a viver como consagrados hoje em Moçambique. Partíamos de diferentes experiências Congregacionais e consequentes distintas Espiritualidades, mas sentíamos desafios muito semelhantes:

  • Como formar as e os jovens para os ajudar a descobrir e a viver desde o essencial? (O combate ainda não vencido de “aprender a ser Irmã”…
  • Como fortalecer a Formação conjunta, através do empenho de todos nos Cursos de Vida Consagrada para Postulantes, Noviças e Junioras? Como fortalecer a Formação das e dos nossos irmãos Formadores? Quanta persistência em se ultrapassarem os obstáculos à criação da Escola de Formadores, concretizado já, graças a Deus?!
  •  Como trabalhar intercongregacionalmente, juntando forças humanas, recursos, não para que o específico de cada um se disseminasse, como se chegou a pensar, mas antes para que esse específico enriquecesse o conjunto?

Desta convicção de dar as mãos, e numa linha profética, tinha nascido, num grupo de reflexão e acção mais reduzido, o Projecto de luta contra o HIV_SIDA: o Projecto Hakumana, que foi acolhido para discussão e maior compreensão de todos, em várias das Assembleias Anauis.
Outra experiência que sinto significativa, foi a de participar na busca conjunta de uma maior comunhão com a CEM e deles connosco.
Claro que também fiz a experiência de que ainda não estamos todas as Congregações, convencidas de que só juntando forças, geraremos mais vida…Cada uma se queixa de que não tem gente para se responsabilizar nas diferentes Comissões, Projectos, Iniciativas, pois “somos poucas” mesmo para levar em frente “o nosso”! E não é que não haja objectividade neste olhar a realidade, mas como fazer-nos prioridades?! O que poderá contribuir para que a Vida Religiosa manifeste um rosto mais evangélico e mais profético? O povo, tem fome de formação, de Espiritualidade, os jovens bem o manifestam e o pedem, porque não juntarmo-nos e trabalharmos na criação de uma Escola de Espiritualidade?
E toco ainda outro desafio, que sinto como uma grande lacuna: Criar espaços de reflexão entre nós e com outras pessoas. Estarmos atentas ao que vive o nosso povo, a nossa Igreja, o nosso País, assim como à forma como avança, a passos de gigante, a evolução do nosso mundo… Se nos ficarmos com as respostas de sempre, perderemos o comboio da história!

  • Na realidade que vivemos, que desafios evangélicos percebes para nós?

Ir. Inocência: Eu penso que os desafios que referi para a V. Consagrada em Moçambique têm que ser também nossos, como é óbvio!
Todo o esforço na área Formativa, tem que continuar, não para que só se obtenham títulos, que também são importantes, mas para que esse estudo “cultivo da inclinação natural que tem todo o ser humano pela Verdade” (Constituições da Ordem Dominicana) nos ajude a ter e a viver com uma visão mais global, entrando no mais profundo das coisas, da realidade que nos rodeia e do nosso mundo, para podermos auscultar os sinais dos tempos.
Mas falando em geral, em nós como MDR em Moçambique e tendo em conta as Linhas força que nos vêm dos últimos Capítulos Gerais: “Missão Nova para um Mundo Novo e Reestruturação em fidelidade ao Carisma”, sinto que nós “ Vigararia jovem” somos desafiadas a:

  • Abrir-nos ao “pensar congregacional”, não como uma moda, mas convencidas que abrindo-nos à Congregação, nos vai ajudar a ter um olhar mais amplo sobre nós mesmas, sobre o nosso mundo concreto, como sobre os acontecimentos determinantes que se dão e que muitas vezes nos passam ao lado…
  • Temos que, para dar força ao anterior, criar e fortalecer a cultura da leitura, da reflexão e da partilha do que vamos aprofundando e vivendo. Sinto que a partir daí hão-de surgir respostas novas de missão no mundo dos pobres ao qual este olhar contemplativo da realidade sempre nos envia. E a nós nos ajudará a viver desse Essencial que vamos intuindo, às vezes como uma luz forte, mas outras ainda com muitas sombras fugidias… Não seria esta experiência “a porta de entrada” para aprender a viver com Mística?! Já dizia Karl Ranher que o cristão do futuro ou será místico ou não o será…E hoje diz-se que a mística será a característica do Homem e da mulher do futuro. Não nos animamos a iniciar este caminho ou a dar-lhe força?!

Afinal o sentido profundo da “reestruturação em fidelidade ao Carisma”, não é para nos abrir a um horizonte maior e mais englobante da realidade que somos e formamos, aprendendo a ler os sinais dos tempos, como o souberam fazer no seu tempo, M. Ascensão e Mons. Ramón Zubieta?!

  • Temos ainda o grande desafio de solidificar a experiência de unir forças na Formação conjunta em África. Já fizemos alguma primeira experiência e sentimos de verdade que será um grande contributo a que as nossas jovens irmãs logo nos seus inícios façam a experiência de que são…Missionárias! O que virá a contribuir sumamente para nos colocarmos em atitude de ENVIO! Claro que senti-lo-emos na carne, somos uma Vigararia pequena, pequeníssima, mas temos que aprender a dar desde a nossa pobreza…Com a convicção de S. Domingos ao enviar os noviços a pregar: “a semente apodrece quando fica junta”…

Oxalá este desafio seja abraçado por toda a congregação de modo que nos tornemos verdadeiramente Missionárias Dominicanas do Rosário. Adiante Misssionárias!

Bem hajas, Inocência, pela  tua partilha sincera e fraterna. Não duvides que, como dizia M. Ascensão, quando se faz o bem – da tua missão cumprida –  tarde ou cedo recolhemos os frutos e  tu és privilegiada porque o  fruto da gratidão e do reconhecimento à tua entrega sem medida,  nem condições, todas as irmãs já to ofereceram.

Bilene, Outubro de 2011