Iniciamos a nossa longa viagem, rumo a Quelimane o dia 10 de Junho às 4.20H. na nossa conhecida linha de transporte Etrago. O ânimo estava preparado para ficar durante mais de um dia completo a olhar pela janela do autocarro para contemplar a vida que nos era oferecida, a natureza e a gente. Abertas ao que nos pudesse surpreender e acontecer, é o próprio dum viajante paragem num lugar qualquer.
Até que aparece o furo num pneu do autocarro. Nada de estranhar, entra dentro do possível em todo o percurso. Realizam-se os trabalhos necessários com toda a diligência e continua-se o caminho, a meta ainda está longe. Antes de atravessar a ponte sobre o rio Save, surge outra surpresa. No controlo de rotina feito às bagagens, pelas autoridades competentes, há alguma coisa que não está legal. Desta vez foi necessário muito mais tempo para que, num diálogo lento e difícil, se pudesse chegar a um final feliz.
E a viagem prossegue superando a impaciência já manifestada publicamente pelos passageiros devido à demora com a qual não se contava. Admiramos a perícia e habilidade com as quais o condutor supera as covas profundas dum tramo da estrada, quem sabe se também foi observado, no escuro da noite, pelos animais que habitam na Gorongosa. Foram suficientes duas horas de descanso antes de atravessar o rio Zambeze para que o nosso super condutor ganhasse a coragem e a força para dar continuidade à viagem, agora todos visivelmente animados, pela proximidade da meta final.
Até que por fim às 7:40H do dia 11, chegamos felizmente ao nosso destino, Quelimane. O ambiente estava fresco mas o calor do acolhimento fraterno, sempre renovado, nos proporcionou um aconchego muito gratificante. Logo na comunidade do Chirangano, o rito de acolhimento, nos confirmou que tínhamos chegado realmente a casa, ao espaço comum do encontro e da partilha.
O descanso era de rigor e renovou os nossos membros que já pediam uma posição mais reconfortante. Foi assim que voltamos ao nosso “normal”, depois de recuperar a nossa própria energia vital. Tínhamos uma tarefa a cumprir e nos sentíamos em forma para a iniciar.
À tarde nos encontramos com as irmãs da comunidade mais nova da Vigararia, a Comunidade dos Bons Sinais, reaberta há apenas quatro meses. Como estão a iniciar a caminhada é normal que a partilha do novo ambiente no qual se encontram, das suas opções pastorais de missão, do trabalho profissional, do estudo, das dificuldades encontradas, fosse mais necessário. Ficamos a saber que ser missionária significa procurar àqueles que estão nas periferias, elas estão a iniciar o trabalho pastoral nas comunidades cristãs dos bairros mais afastados da Paróquia da Catedral à qual ficam a pertencer. Foram acolhidas como sabe fazer o povo simples e profundamente crente, como verdadeiras irmãs que acompanham com o testemunho da sua vida e com a pregação.
Ficamos na partilha sem sentir que o tempo passa inexorável. Por isso, nos organizamos para o dia seguinte, no qual somos nós, depois da escuta, que partilhamos o tema da formação permanente que nos ocupa a todas as comunidades da Vigararia, relativo a “Vida fraterna e Reestruturação”. Igualmente cada uma se deixa interpelar por uma realidade que a sentimos muito próxima porque nela, podemos parafraseando a Paulo, nos movemos existimos e somos. Sempre reconhecemos em nós atitudes a ser convertidas mas também é momento para evocar experiências gratificantes e gozosas que nos enchem de alegria e gozo.
A seguir nos reunimos com as irmãs da Comunidade “São Martim de Porres” inserta no Bairro do Chirangano. Neste momento acolhe a cinco jovens que estão a fazer um processo de discernimento vocacional e ao mesmo tempo completam a sua escolarização. Logo sentimos e descobrimos o que significa viver “em” missão e como esta dá sentido e enche a vida de cada uma das irmãs.
Desejamos neste primeiro encontro escutar às irmãs e entregar a aprovação do projecto comunitário que tinha sido analisado anteriormente pela equipe da Vigararia. Há uma observação imediata, o zelo apostólico das irmãs parece superar a sua capacidade de resposta a tantas solicitações que lhes são pedidas: O acompanhamento do processo de formação inicial das jovens pré postulantes, a coordenação do Centro de Solidariedade com todas as suas actividades, a presença nas comunidades cristãs, o poio à missão de Namacurra, a formação pastoral a diferentes níveis, a colaboração com a pastoral da saúde, as aulas no postulantado inter-congregacional, o acompanhamento a um projecto de adolescentes… são muitas frentes que podem por em causa a qualidade evangélica da resposta a dar. Esta preocupação é também um desafio que as próprias irmãs sentem e estão dispostas a rever.
Encontramos tempo para visitar a parte mais baixa do Bairro na qual algumas casas dos moradores foram muito afectadas pelas últimas inundações. A realidade que vemos nos comove profundamente, a precariedade extrema das casas põe em causa a dignidade da pessoa, palpamos a vulnerabilidade em todos os sentidos, no ambiente insalubre, na doença, na pobreza extrema. As irmãs estão a apoiar o melhoramente da construção da habitação com material local com um donativo recebido. A gratidão das pessoas beneficiadas com as irmãs, oferecendo o verdadeiro “ó-bolo da viúva”, nos surpreende e nos deixa sem palavra.
Também temos um tempo de encontro com as jovens pré postulantes para dialogar sobre o seu processo formativo. São sinceras, espontâneas e comunicativas. O caminho da sua vocação ainda é longo mas nos alegra saber que estão centradas no desejo que lhes habita. Aproveitamos a oportunidade para aprofundar no conteúdo e significado do “Ano da fé” que é comentado por todas, sentimos que há acolhimento e sintonia com a nossa proposta de reflexão e oração.
As irmãs tinham pedido um dia de retiro, de oração e de reflexão. Procuraram um lugar muito sossegado, silencioso e adornado com a beleza exuberante da natureza própria desta terra. Nos foi facilitado pelos Padres Dehonianos, no Sococo, a casa está totalmente ao nosso dispor porque os estudantes estão de férias. O tema é iluminado com uma leitura comentada da carta apostólica do Papa Bento XVI “Porta Fidei”.
No fim da manhã nos tomamos um tempo “sem tempo” para o encontro mais demorado com o Senhor presente na Eucaristia, num momento de adoração. Nos sentimos todas dentro da dinâmica do esquema preparado com um sentido eclesial e missionário. A Palavra de Deus, as preces, a oração, o canto nos ajudam para interiorizar e viver.
À tarde é proposta uma dinâmica de auto revisão do itinerário da própria fé. Logo após um tempo de reflexão pessoal partilha-se com simplicidade e sinceridade o que cada uma experimenta no percurso, sempre em processo, do seguimento do Senhor.
O almoço melhorado do domingo, em ambiente festivo e fraterno, marca a diferença de um tempo de visita, oportunidade para a gratuidade e a convivência. À tarde assistimos a um filme escolhido para este momento: “La fuente de las mujeres”. O diálogo, o comentário e análise do tema surgem entre todas, logo no fim. Uma história sobre a luta de mulheres por uma causa justa, neste caso conseguindo o que desejam, não pode por menos que despertar sentimentos e empatias, lembranças e comparações.
E como o caminho faz-se ao caminhar, segunda-feira, dia 14, de manhã, iniciamos a viagem rumo a Milange. O tempo ameaça chuva miúda que nos acompanha de modo intermitente ao longo dos 350 kms. Que vamos a percorrer antes de chegar à comunidade localizada no bairro de Caombe. Com alegria nos beneficiamos do tramo já concluído da nova estrada que é uma agradável surpresa, além de alimentar a nossa esperança num futuro, por todos desejado, de uma estrada totalmente alcatroada.
Encontramos com toda alegria as duas irmãs que neste momento formam a comunidade, à espera da irmã que já foi assinada e presentemente está gozando um tempo de férias. A temperatura é baixa, própria da zona de montanha neste tempo, mas não é desconfortante.
A conversa e a troca de notícias de modo espontâneo não são difíceis de imaginar. É a comunidade mais distante por isso sente-se mais a necessidade de conhecer as novidades e os acontecimentos da família. A seguir nos tomamos um tempo de descanso para recuperar as forças e de novo reiniciamos a conversa, de modo mais organizado. Como nas comunidades anteriores seguimos o mesmo plano de partilha. Uma das irmãs é juniora, fez a sua primeira profissão no mês de Fevereiro, e merece um tempo especial para partilhar a sua experiência neste seu primeiro “Maldonado”. A alegria e serenidade que manifestava eram sem dúvida reflexas do que habita no seu coração, um grande desejo de entregar a vida ao povo desta zona carenciada em todos os sentidos.
Permanecem fiéis no trabalho pastoral nas pequenas comunidades, que estão mais afastadas da Paróquia, promovem a catequese de crianças e adolescentes, a animação da Palavra aos domingos, como membros da Ordem dos Pregadores, e assumem também a nível paroquial a pastoral da saúde e formação das adolescentes que nesta zona praticam o rito da iniciação.
Diariamente orientam a Biblioteca “Ponto do saber” que funciona na vila, em casa dos Padres Capuchinhos. É um serviço prestado a todos os estudantes do Ensino médio, superior e universitário porque existe a Universidade Católica – UCM- que promove vários cursos na modalidade de aulas “não presenciais”. Sente-se um aumento progressivo de participação na biblioteca e aumenta a cultura da leitura e estudo entre os jovens, porque nunca tinha existido na vila uma biblioteca. É o contributo que neste momento as irmãs oferecem à juventude e aos adultos estudantes.
Também acompanham a um grupo de adolescentes, vizinhas das irmãs, e dão explicações escolares, para que possam superar as grandes lacunas que se sentem no ensino primário nesta zona.
Uma agradável constatação foi ver que as mulheres desta zona estão a crescer. Vimos como transportavam as hortaliças que elas próprias cultivou, em grandes trouxas, para o mercado. É sinal do caminho de emancipação e de autonomia no qual se encontram.
O tempo passa depressa, no entanto foi suficiente para realizar o que tínhamos programado. E assim preparamos o regresso carregando no carro os produtos da machamba, hortaliças e fruta para as comunidades da cidade fazendo uma fraterna “troca de prendas” pois de lá trouxemos o peixe e outras coisas que na vila não há ou são muito caras.
Ainda houve tempo para cumprimentar à comunidade dos Frades Capuchinhos, com os quais as irmãs partilham a fé e a missão, desde o início da nossa presença em Milange. Com a mesma simplicidade e fraternidade nos acolhem, e assim nos despedimos de todos.
Ao regresso encontramos uma triste notícia a nível nacional. A estrada nacional nº 1, estava a ser inviabilizada por homens armados da Renamo que atacaram alguns carros e provocaram a morte de duas pessoas. Notícia surpreendente porque durante os últimos 21 anos, temos vivido em paz. Devido a esta circunstância, regressamos a Maputo de avião
A visita às irmãs da comunidade de Inhassoro a realiza a partir do dia 27 de Junho até ao dia 1 de Julho. Desta vez percorremos igualmente de carro da comunidade de Maputo os quase 900 kms. Que nos separam. Isto nos permitiu recrear a vista admirando as diferentes paisagens que decoram a geografia desta zona sul do Pais. Apreciamos o mar azul e calmo que nos surpreendia de vez em quando ao curvar da estrada, outro mar impressionante de esbeltos coqueiros, frondosos cajueiros, magníficos embondeiros, vaidosas mangueiras embelezadas de flores e, por toda parte, a vegetação baixa própria desta zona de savana.
Mas sobretudo encontramos muitas pessoas a caminho, desde a manhã até à tarde, que chegamos ao nosso destino, numa longa romaria que nunca acabava. Mulheres, muitas mulheres, sempre com alguma carga na cabeça, e nalguns casos, com a criança as costas; crianças, muitas crianças, em idade escolar que entravam e saiam das escolas localizadas ao longo da estrada; o conhecido transporte e público de caixa aberta, repleto até desbordar de passageiros, que comunicava uma vila com outra, também de vez em quando, os machibombos de longo recorrido e os camiões de grande tonelagem. Os típicos mercados a beira da estrada, a peças de arte em argila, as esteiras, tudo apareciam numa descontínua exposição para quem estiver interessado.
De novo o encontro fraterno, gratificou a nossa chegada. As cinco jovens, que estão em processo de discernimento vocacional, acolheram-nos com a alegria própria delas. Como sempre, surge espontâneo o partilhar das novidades do caminho e das noticias de todas e de todo, que nunca acabam.
E ao dia seguinte começamos a contactar com a realidade na qual vivem as irmãs. Um breve passeio a praia era obrigatório para confirmar que estávamos à beira do oceano Indico, que nos regalou a sua serenidade e beleza. Seguidamente programamos os nossos trabalhos e contactos neste fim-de-semana. Seguimos o mesmo esquema de reflexão e trabalho.
Reflectir, dialogar e rezar sobre a nossa vida e missão é renovador e reconfortante. Percebemos que a vida missionaria vai avançando porque o Reino de Deus já esta presente entre nós. As orientações pastorais da Equipe Missionária, ajudaram a concretizar as intuições que as irmãs desde há tempo sentiam. Foi iniciado um processo de visitas e aproximação às famílias da Paróquia, nas suas próprias casas, agrupadas em pequenos núcleos. Em cada uma delas reza-se, abençoa-se a casa e se convive fraternalmente. Este dinamismo novo está dentro do contexto do Ano da Fé e da formação mais aprofundada dos conteúdos doutrinais.
No domingo, participamos na celebração da Palavra na Comunidade cristã de Mbaule, que é acompanhada por uma irmã da comunidade. Comunidade que está na fase de crescimento e formação. Como não lembrar outras experiências missionárias semelhantes a esta? Falávamos de comunidades conhecidas por todas, que ajudamos a nascer e hoje em dia se transformaram em Paroquias. O gesto final nos comoveu. O valor recolhido no momento do ofertório nos foi entregue na íntegra como expressão de partilha fraterna. Só os pobres sabem partilhar com generosidade e gratuidade.
O diálogo com as cinco jovens, em processo de discernimento vocacional, nos ajudou a conhecer melhor a sua realidade, os seus desejos, os desafios que sentem e as dificuldades que enfrentam. Como é próprio da sua geração, se manifestaram espontâneas, simples e com grande vontade de acolher aquilo que escutavam. O caminho ainda é longo e precisa de muita paciência para avançar cada uma ao seu ritmo.
Constatamos que o distrito está num processo notável de crescimento orientado para o sector do turismo. Os projetos para o futuro são muito ambiciosos. Só está em questão que neste desenvolvimento o povo simples possa ter a cota parte que lhe corresponde, e não se volte a repetir que são os grandes os que vão recolher grandes benefícios deixando mais uma vez ao povo simples mergulhado na sua pobreza.
No dia 6 de Julho visitamos a Comunidade de Maputo. Lhe dedicamos um dia de trabalho intensivo porque está programado um dia de retiro, juntamente com a Comunidade das Mahotas, dentro do tema que temos trabalhado, e está previsto, para o próximo fim-de-semana, o encontro de formação permanente na zona sul. Conscientes de que tudo contribui para o bem dos que amam a Deus, vimos que todas estas circunstâncias são um complemento para dar maior sentido ao objetivo da visita.
Esta comunidade tem como principal missão acolher a todas as irmãs que, por diferentes motivos, precisam de permanecer na cidade capital e, igualmente, a de facilitar a logística de todas elas: fazer compras, trâmites burocráticos e responder a outras necessidades.
A comunidade acolheu a proposta de trabalho com empenho e responsabilidade. Por isso quando apresentamos os temas de reflexão e de partilha, houve participação fraterna e sincera de tudo aquilo que trazemos entre mãos. Permanece sempre o desafio do “já” e do ”ainda não” da nossa vida fraterna e da nossa missão, enquanto vamos caminhando neste processo iniciado pela Congregação de reestruturação em fidelidade ao Carisma. As irmãs reconhecem que todos estes encontros colaboram para avançar segundo aquele ditado popular que diz: ”água mole em pedra dura tanto bate até que fura”
E porque a missão desta comunidade é o serviço a todas as irmãs da Vigararia, na tardinha, ainda houve tempo para ir procurar uns documentos, na terminal de autocarros, que eram enviados urgentemente para processar a transferência de uma irmã.
A visita à comunidade de Mahotas a realiza o dia 8 de Julho. Neste caso a distância foi um aliciante para facilitar o encontro. Por estarmos num ambiente tão conhecido e partilhado no seu dia-a-dia por nós, necessariamente era subentendida a realidade vivida, e assim foi mais fácil avançar para o essencial da visita.
Da reflexão partilhada com as irmãs da Equipe Formadora, surgiram aspectos que se tornam novos ao serem comentados por todas. E reconhecer que vivemos em processo até ao fim da nossa vida, como diria Paulo, para alcançarmos a meta que é Cristo, ajuda a manter uma atitude de abertura e acolhimento, para deixar-nos surpreender pela novidade do Espírito que não cessa de nos oferecer. A dinâmica sobre a partilha comunitária do processo pessoal da nossa experiência de fé, nos levou mais longe do que pensávamos porque todas nos sentíamos dentro do mesmo espírito de comunhão e fraternidade.
A conversa e reflexão com as postulantes, participativas e sinceras, nos confirmaram o que já tínhamos experimentado nas outras comunidades que acompanham processos de discernimento vocacional. O caminho se faz ao caminhar, e nessa atitude vão dando os seus passos de crescimento humano e cristão. Avaliaram como positiva a sua participação nas aulas inter-congregacionais organizadas pela Confere-mo, que neste momento se encontra num período de interrupção e aulas. Também comentaram com entusiasmo os estágios que estavam fazendo na casa de acolhimento das Irmãs dos Desamparados.
Com toda a comunidade formadora, à tardinha, nos tomamos um tempo mais demorado de oração, e adoração, que veio a completar o trabalho começado logo de manhã.
O apetite despertado neste dia irá a ter a sua consumação o fim-de-semana próximo no encontro de formação permanente e no Retiro inter- comunitário da semana a seguir.
Só podemos fechar este diário de viagem com uma palavra de gratidão ao Senhor, que nos concedeu este o dom do encontro e da partilha fraterna e a cada uma das irmãs pelo seu acolhimento e sua amizade.
Maputo, ao 10 de Julho de 2013