-Todos desejamos, certamente, que esta tarde seja para cada um de nós aqui presentes, uma forte experiência e crescimento missionário.
.Uma tarde em que nos concentramos na Pessoa de Jesus, o primeiro e maior Evangelizador. (Mensagem do Papa Francisco).
.Uma tarde em que, respondendo ao apelo do Papa para o dia de hoje, possamos expressar, como comunidade aqui reunida, que acreditamos que é Jesus Cristo que continua a evangelizar e a agir, pois acreditamos que a Sua ressurreição não é algo do passado, mas é também de hoje e, por isso, vemos a aparecer por todo o lado os rebentos da Ressurreição. (Mensagem do Papa)
.Foi-me pedido que partilhasse alguns desses rebentos que me foram dados viver, uns, rebentos viçosos, outros secos e mortos. Agradeço a Deus o que me concedeu viver e agradeço, também, ao Sr. Padre Manuel Barbosa este convite.
.Falo como Missionária Dominicana do Rosário, – a celebrar agora os 100 anos de fundação – e falo, também, em nome das Irs. Paz e Isabel, que formamos neste momento a comunidade, que vive no Bairro 6 de Maio.
-Certamente já ouviram dizer que o referido Bairro está num processo de realojamento e de demolição. Os outros, Fontainhas, Bairro Novo, Bairro Azul e Estrela d´África, que faziam parte do conjunto da nossa presença e ação, já foram demolidos.
.A realidade apresentada faz com que esta minha partilha olhe um pouco para o passado, para o presente e para o futuro.
PASSADO:
.Da experiência vivida gostava de guardar:
.O desejo sincero e primeiro das Irmãs fundadoras deste Projeto,- nenhuma das três integramos esse grupo – ao querer ser sinal da presença, da proximidade e acolhimento de Deus e da Igreja, a um povo que chegava em catadupa das ex-colónias, por volta de 1975/76.
. A visão profética e de grande alcance dessas primeiras Irmãs, expressa numa sábia atitude de viver e de caminhar em conjunto com a população, no estilo de vida e na casa/barraca escolhida para viver, na organização dos projetos que as necessidades faziam surgir, nas atividades realizadas, na relação com o mundo eclesial, político, social, que vivia tempos de efervescência forte, etc.
.O envolvimento e a organização em comissão de moradores composta por Irmãs e pela população, todos recém chegados ou ainda a chegar, para buscar respostas para tudo, pois não existia nada de nada.
.A alegria, as festas, a dança e compromisso do povo cabo-verdiano, profundamente marcado por uma forte religiosidade e, em muitos casos, pela prática cristã, por um espírito invejável de solidariedade, de entre-ajuda, de presença onde há doença, reclusão ou morte.
.O Voluntariado que surgiu e que aparecia sem se saber, muitas vezes como, e que permitiu a realização de atividades, de projetos dignos de referência e de admiração. Lembro-me por exemplo do caso da alfabetização, que foi de grande sucesso. É de frisar que, graças a Deus, o Voluntariado tem sido uma constante ao longo de todos estes anos. São, ainda, incríveis, pela positiva, as propostas e as iniciativas que, com frequência, nos chegam da sociedade civil.
. Um pouco, ainda nesta linha, gostava de guardar a memória das centenas e centenas de jovens da Equipa d´África, GASNova, GAStagus, GASÁfrica, entre outros, que passaram por lá e escolheram os Bairros, para o seu Voluntariado, e para se prepararem para a sua Missão fora.
. O Projeto dos Jovens de Shoenstatt, realizado neste últimos anos, merece uma referência especial.
. Gostava, ainda de guardar, a colaboração e apoio de tantos setores e pessoas da Igreja: Santuário de Fátima, e a colaboração de muitos membros de Institutos religiosos masculinos, dos quais tenho que destacar a Capelania Africana, os Padres Vicentinos – O Padre Nóbrega, que no ano 2000 orientou e coordenou uma Missão, realizada em todos os Bairros, e que só a sua morte em 2016, impediu a continuação do seu acompanhamento –, os Padres dos Sagrados Corações, Redentoristas, Franciscanos, Dominicanos, etc…
Mas também há rebentos secos e que não são tão bons de recordar: a pobreza e a falta de condições em que muita gente vivia; a degradação em que muitas pessoas e famílias caíram; a forte situação de guetização e exclusão que sofreram e sofremos; a perda da prática religiosa por parte de muita gente; a perda de identidade, o crescer da delinquência, do abandono escolar, da violência, da má fama, muito devido à infiltração e consumo de drogas.
HOJE:
CAOS, é a palavra que melhor encontro para descrever a realidade de hoje e que algumas pessoas que ainda residimos no Bairro, vivemos. Caos, porque: há bastantes famílias e pessoas que não têm direito a casa; vivemos num espaço que parece ser a “terra de ninguém” e isto cria insegurança, sensação de abandono e revolta; o lixo invade-nos; os cubículos, as casas semi-demolidas, as fábricas falidas e outros espaços que circundam o Bairro, encontram-se completamente desventrados, meios desfeitos, e tornam-se num convite ideal para atrair a prostituição, a toxicodependência, o tráfico, a delinquência, os doentes mentais. Estes são às centenas, senão aos milhares: ricos e pobres, gente nova e gente velha, homens e mulheres, uns em fase terminal, outros a iniciar-se neste mundo do vício. É a realidade que, desde qualquer ângulo da nossa casa, vemos e ouvimos, 24 horas por dia. Algumas pessoas consolam-se dizendo que quando o bairro acabar de ser demolido, isso desparece. O problema é que podemos deixar de o ver, mas não desaparece. É apenas deslocado para outro lugar, uma vez que ninguém está a olhar de frente para este problema gravíssimo, com vontade de o enfrentar e resolver e que afeta milhares de irmãos nossos que sofrem, que são vítimas, que morrem explorados por muitos interesses que servem alguns.
É uma sensação de frustração que nos cria sofrimento, má consciência. É um mundo que precisa de nossa ação missionária, da nossa proximidade e não o fazemos, não o sabemos fazer…. Muito difícil a situação. Pedimos a vossa oração.
FUTURO:
A Câmara já nos contactou para procurarmos casa, o que aconteceu e acontece com toda a gente que, tal como nós, vivia nestes Bairros. Estamos, pois, no processo de encontrar sítio para irmos viver. Gostávamos muito de ficar por ali, pela Damaia de Baixo, não só porque a Câmara ainda não definiu o futuro do Centro Social 6 de Maio, do qual, e por enquanto, somos as fundadoras e as responsáveis, mas também porque é uma zona que fica distante do centro das Paróquias existentes na área, não há nenhuma presença religiosa e, ainda, porque a zona da Damaia de Baixo, Cova da Moura, Buraca, Reboleira, linha de Sintra, é uma zona com uma forte presença africana, muitos deles carenciados, e muitos deles bem conhecidos nossos.
É uma situação que nos lança novos desafios que nos permitem e exigem que vivamos uma espiritualidade e uma oportunidade de “Recomeço” e isso é muito bom. Por isso agradecemo-lo a Deus.
OBRIGADO
Irmã Deolinda Rodrigues