CARTA AOS LEA

Abril 1, 2013

Queridos Amigos,

É com muita alegria no coração que vos escrevo. É para mim uma honra fazer parte deste grupo – Os Leigos em Ascensão –.
Peço desculpa pela franqueza ou se calhar pela ousadia, mas creio mesmo, que antes de vos conhecer, já me considerava parte deste grupo, quanto mais não seja pelo facto, de à semelhança de muitos outros jovens, ou menos jovens que colaboram ou colaboraram de perto com a Congregação das Irmãs Missionárias Dominicanas do Rosário, também eu, sinto que se não fosse por Ela, a Madre Ascensão, fundadora da congregação, eu não teria a oportunidade de ter vivido de perto aquilo que vivi e aquilo que estarei por viver nos próximos tempos.

Sou Leigo e a realidade é que me encontro de facto ligado a Ascensão, bom, se calhar seria injusto se não referisse que me encontro de igual modo ligado a M. Ramón Zubieta, se calhar porque à sua semelhança sou homem, mas também porque sei que ele teve o seu próprio papel na fundação da congregação.
Agradeço-lhes por isso. Muito provavelmente, não sonhariam que um dia existiria um grupo de pessoas (leigos) comprometidas em vivenciar o seu projecto. Acredito que lá do alto, bem junto ao Pai, se alegram com e por todos nós.

Confesso que depois de ler a ultima acta de Janeiro, houve uma pequena frase, proferida como proposta de reflexão pela Ir.Deolinda, que me chamou a atenção, é com base nesta pequena questão, que vou tentar transmitir por palavras aquilo que sinto, agora a escassas horas de regressar a Oecusse. 
“Como é que eu vou ser pessoa de esperança?”

Acredito que esta esperança a que a Ir.Deolinda se refere, diga directamente respeito à esperança que nos foi gratuitamente oferecida por Jesus. A esperança num Amor único, que nos faz sonhar e ousar crer que também nós podemos ser transmissores desse Amor.

É por isso que parto para Timor. Porque acredito que Deus me deu a oportunidade de vivenciar esse Amor. E nós, só conseguimos ser transmissores de esperança, quando essa mesma esperança se encontra em nós, quando nos segreda ao coração, ao ponto de termos que sair de nós mesmos ao encontro do outro.

Isto não significa que me considere um “super herói”, pelo contrário, vejo-o como a oportunidade que Deus me dá em me descobrir, em aprender, em me fazer sentir que com e pelos outros podemos fazer coisas que mesmo sendo difíceis ou muito difíceis, são possíveis de realizar.

Lá em Timor, existe muito pouco de cada coisa, e há coisas que não existem de todo. Existe escassez de alimentos, e uma outra escassez de dimensões provavelmente semelhantes. Uma escassez de Amor. No local para onde vou, vivem muitas meninas, algumas órfãs, e maioritariamente provenientes da montanha, de zonas onde tudo escasseia a uma dimensão horrível, são literalmente trocadas e comercializadas como se de bens se tratassem. O mais perto de Amor que conhecem, é o mínimo de compaixão que a família usa no seu parco sustento alimentar.

Restou-lhes a providência divina, que as conduziu àquela casa, onde hoje se encontram e vivem como família alargada. Continuam pobres de “coisas” mas ricas em Amor.

Este Amor é gratuito, para que ele brote ou perdure, é necessário que se cultive.

E depois, há que ser regado à semelhança da terra que nos dá fruto. Este “regar”, é tarefa que as Irmãs escolheram como compromisso de vida. E eu, lá vou, consciente que muito provavelmente terei um regador de dimensões bem mais reduzidas, mas que mesmo assim ouso considerar útil.

Lá, as crianças tratam-me por Irmaun ou maun, (palavras em tétum que significam Irmão) também isso me fez e faz recordar algo que muitas vezes negligenciamos. Principalmente aqueles com quem nos cruzamos no caminho de Vida. Irmãos, somos todos Irmãos, e nem sempre agimos como tal. E esta lição, é-me ensinada por crianças, as mesmas a quem tenciono ajudar a “regar” de Amor.

Lá, existe um senhor a quem levei e tenciono continuar a levar as refeições diárias, este senhor vive numa cabana longe. Para lá chegar, há que saltar sebes, andar por carreiros, passar diante de um enorme boi que me olha deitado e me continua a perseguir com o olhar (felizmente na mesma posição). Este senhor vive numa cabana onde parte do telhado não existe. É deficiente físico e creio que terá igualmente um problema semelhante ao nível psicológico. Fala pouco, e o que fala é em Baikeno, o dialecto local e característico de Oecusse. Sempre lhe levei comida e sempre me esperou no mesmo local, exactamente na mesma posição. Sempre lhe disse bom dia ou boa tarde em português, ao que me respondia com qualquer coisa que nunca cheguei a entender. No último dia em que lhe levei comida, pedi a uma menina (vai sempre uma menina comigo) que lhe traduzisse algo para Baikeno. Não estava à espera de uma resposta diferente ou mais coerente do que todas as outras, em que diz qualquer coisa que ninguém entende. Disse-lhe que iria partir, para Portugal, e depois da tradução, agarrou-se ao meu braço e baloiçando-se sorria para mim. Foi dos maiores presentes que poderia ter recebido. E mais uma vez, uma lição. Foi nele que se manifestou Deus, mesmo à minha frente, um senhor a quem tencionava ajudar a “regar” de Amor.

A pergunta que coloco é só uma. Afinal, quem é o “jardineiro” no meio de tanto “regar”? Serei eu que o tencionaria fazer, ou serão todos aqueles a quem tencionaria “regar”?

Apraz-me pensar que só há um jardineiro. E nenhum daqueles que mencionei. Será certamente o mesmo que nos criou e criou o mundo à nossa volta. Um mundo tão diferente e tão rico em oportunidades de experimentar e vivenciar esperança.

O mesmo que me deu família e amigos, e a oportunidade de voltar a Oecusse e de O voltar a sentir tão perto. Esse jardineiro é Deus.

É n’Ele que deposito o desejo de que continueis a crescer como grupo, ao estilo de Ascensão.

Despeço-me de todos vós com um abraço amigo,

Jorge Mestre


Montanhas do Oecusse