A nossa missão em Namacurra

Abril 17, 2014

Cada comunidade discernirá qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos e todas somos convidadas a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e atrever-se a chegar a todas as periferias que necessitam a luz do Evangelho.” (Exortação Apostólica “ A Alegria do Evangelho”).

Como nasceu em 2013 este novo “rebento” de missão, num distrito que dista de Quelimane, onde vivemos, cerca de 80Km?

 

Tendo em conta a nossa realidade de “pobreza numérica de irmãs”, algumas se perguntaram, se não nos chegava já, o acompanhamento, que fazíamos nas comunidades cristãs dos bairros limítrofes de Quelimane?! …

E talvez tinham razão, mas quando agora lemos a “A Alegria do Evangelho” do nosso Papa Francisco e ele tão insistentemente nos faz sentir responsáveis pelas “periferias que precisam da luz do Evangelho”, então pensamos que foi o Espírito quem nos impeliu a Namacurra.

A verdade é que na última Assembleia de Pastoral da Diocese, nos sentimos fortemente interpeladas pelo convite insistente do nosso Bispo, em pedir missionários, missionárias, para as missões do interior, onde os cristãos estavam sem formação, nem acompanhamento pastoral.

Foi quando nos colocámos a pergunta: E nós, que podemos fazer? Não nos está o Senhor a interpelar? Que fariam os nossos Fundadores hoje? Olhar a que somos poucas, olhar às distâncias, à economia…Sim, tivemos que o fazer, mas do discernimento entre as irmãs das duas comunidades de Quelimane, saiu a nossa oferta de dar um contributo a esta missão de Namacurra.

Não podíamos oferecer muito, mas comprometíamo-nos a ir uma vez cada mês (o que depois veio a aumentar dada a “fome” dos cristãos…) para fazer a formação dos grupos.

Não íamos de franco atiradoras, mas sim integradas numa missão conjunta com os frades Capuchinhos, que já há alguns anos apoiam essa vasta missão desde Quelimane, fazendo fins-de-semana prolongados. Eles nos tinham já manifestado a necessidade grande de colaboradoras na missão, sobretudo na área da formação.

Esta é precisamente aquela parte da missão que nos é mais querida e por isso nos comprometemos a assumir a formação dos animadores dos diferentes ministérios das comunidades, dos jovens e das mamãs.

Como fazíamos? Exigia-nos uma boa “ginástica” para fazer render o nosso pouco tempo e as nossas escassas economias.

Partíamos muito cedo de Quelimane e armadas da nossa Bíblia, dos nossos cartazes, e nalgum dos lugares onde havia energia, até do nosso projector e nos íamos distribuindo pelos diferentes lugares. Levava o carro, aquela que ia para o lugar mais afastado que nos recolhia posteriormente no final do trabalho.

Lá encontrávamos à nossa espera, os responsáveis das comunidades: catequistas, namalaleias (animadores da Palavra), anamadjias (ministros da comunhão), ministros da esperança e de outros ministérios, pois todos queriam aproveitar a oportunidade para se formarem e crescerem na sua fé e no desempenho da sua missão. Muitos vinham de pontos distantes (são 12 grandes zonas com imensas comunidades), alguns tinham mesmo vindo na véspera para poderem aproveitar. Mas todos cheios de alegria e entusiasmo por escutar a Palavra de Deus. Nem a língua era barreira para nos entendermos…

Com os jovens foi possível fazer um trabalho, não só de formação nos dias marcados a nível das zonas da missão, mas também alguns fins-de-semana a nível de toda a Diocese, já que Malinguine, uma das zonas desta missão de Namacurra, é considerada um Santuário da Diocese, onde se fazem as peregrinações juvenis.

Na partilha nos grupos sentimos a necessidade de ainda alargar mais os temas pedidos inicialmente. Um dos mais desafiantes, dada a realidade, foi o do HIV_SIDA. Por isso viajou connosco algumas vezes, um técnico de saúde, que faz parte da Pastoral da Saúde da Diocese, onde também estamos integradas, para fazer esta formação. Foi algo que no fim avaliaram como muito positivo e que “precisavam de mais”.

A nível do grupo das mamãs, foi igualmente um trabalho muito estimulante. Com antecedência tinham “deixado o nome” 60 e tantas mamãs. Fomos apoiadas por uma mamã com quem trabalhamos desde há muitos anos aqui na missão do Chirangano, a mamã Angélica, que é uma líder nata e muito apoiou no dinamismo que se conseguiu imprimir ao grupo. Começamos por ver com as mamãs os temas que mais elas desejavam que reflectíssemos. Uns eram de ordem mais reflexiva, e outros eram “práticos” como costura, bordados, culinária…Creio que também se devia a que pensavam que “esses eram os trabalhos que as irmãs geralmente ensinam”.

Tivemos que fazer opções, dadas as nossas possibilidades e optámos com elas pela formação integral. A partir do primeiro dia vimos que eram mamãs extremamente sensíveis e motivadas a ir mais longe do que só “fazer costura”…A Carta do Papa João Paulo II sobre a Dignidade da Mulher, com que iniciámos os encontros, abriu-nos o apetite para a partilha franca e profunda da vida. Os problemas das mulheres saíam em catadupa. Procurámos escutar, aprofundar com elas e ver caminhos de ultrapassar algumas das dificuldades que sentiam. Umas eram a nível do casal e por sua proposta, convidámos um grupo de casais das Equipas de Nossa Senhora que foram lá fazer um Encontro a nível de casais. Diziam elas que os maridos não viriam se só estivéssemos mulheres…Foi na verdade uma boa iniciativa e fica para este ano dar continuidade a estes encontros.

Outras dificuldades eram a nível da relação com os filhos. O alcoolismo na camada juvenil (e não só!) é muito grande e as mamãs queixavam-se de que eram troçadas e desrespeitadas pelos filhos…Isto fez com que nos temas dos jovens incluíssemos também estes e ficou pendente para este ano realizar algum encontro conjunto pais-filhos…

E a grande dificuldade era mesmo que as mulheres se sentiam inferiorizadas em relação ao homem, mas se viam impotentes para ultrapassar esta situação. Detectámos logo que no grupo havia mamãs verdadeiras líderes e isso nos fez acreditar que o grupo poderia crescer e desenvolver alguma actividade que lhes ajudasse a devolver e a crescer na sua auto estima. Este tema deu um empurrão ao grupo muito grande, a partilha era tanta que começávamos às 7 horas e se prolongavam até às 13 horas e era preciso parar…

Foi destes debates acesos que saiu a iniciativa de formar um grupo de poupança. Isso exigiu-nos entrar em contacto com outras organizações que estavam a apoiar o nascimento de grupos deste tipo, mas temos que dizer que foi sobretudo da experiência prática da nossa mamã Angélica, que a ideia foi tomando forma com um entusiasmo muito grande. Começámos por fazer a formação “como gerir um pequeno negócio”, onde se apoia o sucesso dos grupos de poupança rotativa, assim como a formação prática de como funciona um grupo de poupança e finalmente elas começaram com um grupo de 30 mulheres.

Deram nome ao seu grupo: “A união faz a força” que está com uma pujança que nos surpreende. Diziam-nos elas no passado dia 5 de Fevereiro, em que as visitámos, depois de dois meses em que ficaram a funcionar sozinhas, que “agora já sentimos que estamos a crescer”…

Há poucos dias telefonaram-nos a dizer que têm agora um grupo de homens que também querem começar um grupo de poupança. Queriam entrar no seu grupo, mas dada a experiência, elas não aceitaram, sim estão dispostas a partilhar com eles a sua experiência…E pedem que vamos a fazer a formação a este grupo…Dizem que também há jovens já a querer formar um grupo…Serão embriões de ajudar a “diminuir a pobreza?!”. Oxalá!

A missão tem destas compensações, e parafraseando o Padre Norberto da Consolata, apetece-nos dizer: “ a missão é simpática”, embora também haja tempo para os espinhos, sobretudo os da impotência perante grupos que são lentos e inconstantes no crescimento…

Enfim, aqui estamos no começo de um novo ano de missão, e neste, dinamizadas e desafiadas pelas “Vitaminas das nossas raízes” e do “Vinho novo em vasilhas novas” que nos dão um alento e estímulo novos para darmos continuidade à “nossa história missionária” de cem anos, com alguma da paixão e da generosidade dos nossos inícios.

Que a Beata Ascensão e as nossas Mártires do Congo, nos 50 anos que estamos a celebrar, nos ensinem a viver “atentas ao Sopro do Espírito”.

Irmãs das comunidades de Quelimane (Bons Sinais e Chirangano)