Ando muito calada este ano, não é verdade irmãs e amigos/amigas? Realmente que a missão tem absorvido muito o nosso tempo, mas a verdade também é que escrever exige “arte” e tempo “oportuno”que nem sempre se consegue… Mas somos conscientes de que nos faz bem a partilha da vida, pois como diz alguém sábio: “experiência que não é reflectida não serve para a vida”. Cá estamos pois para vos dar um “ecozinho” da nossa missão em terras da Zambézia.
Na impossibilidade de falar sobre o conjunto da missão que este ano traz entre mãos, gostávamos de partilhar a experiência que estamos a fazer, uma vez mais, de quanta vida gera a solidariedade!
Como todas sabeis, nos inícios deste ano, Moçambique sofreu fortes inundações que afectaram a uma grande maioria das suas Províncias, em maior ou menor escala. A nossa Província da Zambézia foi uma das que mais sofreu: perdas de várias vidas humanas; muitas casas derrubadas; culturas soterradas; aqui a do arroz é a única riqueza do povo pobre, ficou completamente soterrado debaixo da água… A fome é mesmo real em muitas zonas desta Província, que outrora até foi celeiro de Moçambique…
Os bairros da periferia da cidade de Quelimane ficaram igualmente inundados. No bairro do Chirangano, onde nós vivemos, assim como os bairros limítrofes, especialmente na parte baixa dos mesmos, que são zonas de mangal (a terra custou grandes dores para ser roubada ao mar), as casinhas ficaram inundadas. Como a construção das mesmas é de material local, umas caíram e as que ficaram de pé perderam todo o barro que as maticava, (reboco feito com o lodo da zona) ficando completamente a descoberto os pauzinhos que formam as paredes, deixando as pessoas à intempérie mais absoluta…
Muitas famílias, não só nos nossos bairros pobres da cidade, como em muitos outros lugares e distritos mais afastados de Quelimane, como aconteceu na zona de Mugoloma, terra que para nós adquiriu um significado muito especial desde que a nossa Ir. Beleza lá fez a sua Profissão Perpétua, ficaram completamente isolados porque o rio invadiu a povoação e as pessoas perderam todos os seus bens: roupa, comida, casa e suas plantações.
Mas no meio de tanta calamidade, eis que a “bendita da globalização”, que tão poucas vezes a conseguimos ver pela positiva, fez com que corações irmãos, ainda que longe, sentissem de perto a situação destes irmãos e lhes dessem uma mão amiga… Desta vez, devemos uma gratidão enorme, como sempre às Irmãs da nossa Província, que já nos habituaram a adiantar-se aos nossos pedidos de SOS para a missão e este ano fomos surpreendidas também pela surpreendente generosidade de Luz Urbano, que a maioria de nós conhece, que ao ouvir o que se passava em Moçambique e Zambézia onde ela deu tantos anos da sua vida, se quis solidarizar com este bom povo… Bem hajam queridas Irmãs, bem hajas Luz!
Com o apoio económico recebido, temos conseguido fazer “milagres” de repartição de alegria e de esperança.
Aos de Mugoloma, que ficam a mais de 200 km de Quelimane, logo que os caminhos se tornaram mais ou menos transitáveis, fomos visitá-los. Participamos com eles na celebração da comunidade cristã, e aí comunicámos ao que íamos. No final fizemos uma reunião com os responsáveis da comunidade e da Cáritas para conhecer os casos mais necessitados. Partilharam-nos situações de pessoas idosas, de doentes, de mães com filhos pequenos e sem marido e ainda algumas deficientes sem família. Entregámos os produtos que levávamos: farinha de milho, sal, sabão, açúcar, roupa, mantas e o dinheiro que com eles estimámos para cada uma dessas famílias. Foram connosco aos que ficavam mais perto e se comprometeram a construir as casinhas. Vimos muita responsabilidade e uma gratidão muito grande por esta ajuda que nunca esperaram. Sabemos que já iniciaram a construção das casinhas. O governo já deu o ultimato para saírem todos da zona e ainda que lhes custe, pois têm ali as suas raízes, terão mesmo que sair pois o rio ciclicamente faz cheias, e este ano desbordou completamente da margem invadindo toda aquela zona. Além das casas, perderam as machambas de arroz, os coqueiros, bananeiras, laranjeiras e outras árvores de fruto.
Nos nossos bairros de Chirangano, Torrone, Janeiro e Icídua apoiamos igualmente o material de construção de casinhas para os mais necessitados. A condição foi sempre a mesma: a responsabilização da comunidade cristã no levantamento das situações, no orçamento do material e na construção das casinhas.
Cada núcleo identificou os casos mais prioritários e no princípio não foi tão fácil o “discernimento sobre os mais, mais necessitados”, já que são muitos os que vivem em casinhas sem o mínimo de condições… E como não estavam habituados a receberem nada de ninguém, houve a tentação de apresentar os necessitados “mais conhecidos” ou os que “rezam connosco”… Foi por isso uma ocasião para evangelizar e graças a Deus prevaleceu o espírito evangélico! Cada núcleo já levantou o material para as duas casinhas que lhes cabe construir numa primeira fase. Eles mesmos é que transportam o material, muito dele nas costas ou empurrando os chovas. Nós as Irmãs, com o carro levamos o material mais pesado, como as chapas, pregos e portas.
Enviamos algumas fotos de casinhas: umas, ainda por reconstruir, a que eles tentaram tapar de qualquer maneira, outras em construção e alguma já levantada…Não têm muitas condições, direis, mas as pessoas estão felizes pelas condições que… nunca tiveram! Estão abrigadas da chuva e do frio, bem como dos ratos, tão abundantes nestes bairros, sem qualquer saneamento do meio.
Quando reflectimos comunitariamente sobre a solidariedade recebida, só podemos elevar a Deus o nosso coração agradecido por ter gerado uma tal corrente de solidariedade: Nas famílias ajudadas porque “um anjo do céu as visitou” sem o esperarem e não se cansam de agradecer a Deus; a sua dignidade e auto-estima tiveram um “empurrão” muito grande… nos cristãos das nossas comunidades porque fizeram o seu processo de conversão e transformaram a sua pobreza em solidariedade activa e compromisso evangélico com outros irmãos ainda mais pobres e em vós, porque temos a certeza de que o terdes contribuído para todo este “multiplicar de esperança e de vida”, vos há-de fazer experimentar que “ fica sempre algo de perfume nas mãos dos que semeiam rosas”.
Em nosso nome e no de tantos dos nossos irmãos: Bem-haja!
Irmãs da comunidade do Chirangano (Quelimane)
P.S. Só nomeamos esta solidariedade concreta, mas cada dia somos devedoras de muita outra que nos fazeis chegar…que também espalha muito perfume!!!
Unidas e agradecidas.